sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O brega jurídico


Por José Eduardo de Resende Chaves Júnior

O brega jurídico é uma disciplina contemporânea e que caminha a passos largos para sua plena autonomia didático-científica. Tem seus princípios reitores próprios e específicos, que não se confundem com os tradicionalismos e vícios de linguagem. O Brega Jurídico, com maiúsculas, não se limita ao formalismo sintático ou semântico da linguagem; ele é mais profundo, não é apenas uma forma de ser e estar no mundo forense, é todo um corpo filosófico abrangente, um verdadeiro sistema, com conteúdo e personalidade.

Como não poderia ser diferente, o princípio essencial do brega jurídico é o eloquente "Estado democrático de direito", que é clamado, sem dó nem piedade, na contestação ou na porta do elevador, mesmo porque o brega é visceralmente democrático, e não é próprio de nenhuma tribo específica da República dos bacharéis, ele contagia todo mundo: juízes, promotores, advogados, funcionários judiciários, estudantes, estagiários e até peritos.

Mas para falar sobre o brega jurídico a primeira e transcendental questão que se apresenta é a respeito da própria fonte a ser usada. A indefectível Times New Roman, por exemplo, dada sua aparente neutralidade, é um recurso largamente usado para encobrir o fenômeno brega - muito embora o chique mesmo, seja usar Courrier New ou mesmo, a novíssima fonte ecológica (Spranq eco sans), que são mais rápidas e econômicas.

O brega jurídico, entretanto, não sucumbe nem mesmo diante da elegância formal da fonte do editor de texto; dotado de uma essência metafísica, de uma quididade axiológica, o cafona jurídico consegue revelar sua verdade interior mesmo em ambientes de escrita fashion.

O adepto do brega jurídico tem horror ao gerúndio, por confundi-lo com o anglicismo do telemarketing (present continuous tense). Nada mais cordial e brasileiro que um bom gerúndio, ora pois!

Há expressões clássicas e muito caras ao brega jurídico: "douto louvado", "o mesmo" (pronome substantivo), "peça ovo", "exordial", "supedâneo", "operador do direito" - que nenhum de nós consegue escapar. Mas o brega que é de raiz, não se contenta com isso e manda ver também um "denota-se" ou um "dar ensanchas", quando não um "em ressunta", "perfunctório", "perlustrar os autos", "pronunciamento fósmeo", "recurso prepóstero", "tudo joeirado" e outros que tais.

As versões mais eruditas do brega jurídico se insinuam inclusive na teoria jurídica mais profunda. Enfiam Habermas no processo, e até Deleuze no direito. Os mais prosaicos preferem excertos exotéricos, estrofes de pop music, axé ou alguma pieguice literária, como epígrafe de peças processuais. Mas atenção: citar os pronto-socorros jurídicos como doutrina é uma vertente eclética, que pretende conspurcar o purismo do brega jurídico, injetando-lhe um quê de insciência.

Na verdade, o brega jurídico não é um estilo de uma pessoa específica, senão de uma persona, no sentido grego, da máscara que usamos no mundo dos autos. É a nossa afetação linguística quando somos instados, nós, "operadores do direito" (outra expressão típica do brega), a atuar no palco forense.

O brega jurídico é, em síntese, o papel social que desempenhamos, papel e representação que inclusive a própria sociedade cobra do bacharel. Persona do latim, ensinam os etmólogos, tem conexão com a origem grega de prosopopeia, que, por sua vez, além do sentido de personificação, curiosamente, é também sinônimo de discurso empolado.

Mas, tirando as máscaras, e despersonificando o discurso, brega mesmo é tentar ditar regras estilísticas a alguém. Brega é pensar que sabe mais do que os outros; brega, enfim, é não ter cuidado com a sensibilidade alheia, inclusive com a sensibilidade linguística. Tentando arrancar, assim, a nossa carapuça, brega somos todos nós e essa nossa linguagem judiciária, que ricocheteia, perdida, entre a retórica e a equidade, sem saber por onde escapulir.

Mas será que bom gosto jurídico é uma contradição em termos? Será que o mundo jurídico está fadado de forma inexorável ao brega forense? Pessoa nos lembra que não "seriam cartas de amor se não fossem ridículas" e esse, talvez, seja o consolo para o nosso arsenal esdrúxulo e kitsch do direito.